Traduzir

quarta-feira, 25 de julho de 2012

Beleza maculada (Paulo Franchetti)


Beleza maculada
                            


(por um poema de Hopkins)

Glória ao Criador pelas coisas machucadas,
Pelas veias partidas nos casais de ocasião,
Pela mancha rosa, toda pontilhada
De pequeninos sulcos, chagas em botão –
Pelo vago rubro vergão na carne clara,
Pela unha que arranha a coxa fugitiva –
Um peixe a debater-se sob anáguas.
Pela pele rompida, logo remendada,
E por toda ferida de amor,
Incendida e acariciada.
Todas as coisas em excesso, vulgares, interditas
(Sangue doce, restos de saliva,
Dobras nítidas do ventre envelhecido),
Quem produziu isso tudo foi Aquele
Cuja beleza é imutável:
Que a glória seja d’Ele!


Paulo Franchetti

Leda (Paulo Franchetti)


Leda
           

 (por um poema de Yeats)
Enquanto o bico corta a carne da nuca
E o sangue colore o fio da coluna,
Os rins se erguem numa entrega inerte
E as pernas se separam, já dormentes.
Seio contra as penas, mal as membranas lhe tocam
A pele da barriga.
As grandes asas prefiguram num momento
A glória de Troia e as tardes de outono sobre
os campos e os trigais
E de súbito se afastam,
Agitando as folhas do carvalho,
Enquanto ela dorme, lacerada e confundida,
As mãos inúteis jazendo sobre o chão.
                                              




Paulo Franchetti   MEMÓRIA FUTURA

(Paulo Franchetti)


2. Sobre a neblina, o sol

Espalha seu calor inútil.

Uma lata de leite, virada com o pé,

Mostra a parte de dentro.

Ela quase brilha,

Atingida pela luz difusa.







Paulo Franchetti   MEMÓRIA FUTURA

(Paulo Franchetti)


O tempo da velhice não amadurece.

O azedo persiste até que a fruta esteja podre.

O espelho é um animal doméstico que me aguarda.

Mas contra as vitrines não há defesa, nunca é hora de perdão.

Assim as fotos: feras de outro tempo, saltam sobre o dorso
encurvado,

Rasgam as carnes da barriga, a pele acumulada no pescoço.

Restaria o olhar da mulher que envelhece comigo.

Caso o pudesse sustentar,

Conhecendo a distância do que me imagino

Ao que sou,

E daí ao que podemos, quando a noite cai.



Paulo Franchetti MEMÓRIA FUTURA

(Paulo Franchetti)


A mão dela apoiada sobre o peito dele.
Desce uma luz
Que parece do céu,
Mas é o flash refletido na vidraça.
O melhor de cada um
Dirigido à lente
E à memória futura da fotografia.
Toda a vida, depois,
O gosto amargo de não ter
O que, sem esforço e sem palavras,
Fizeram ser imagem.
                                   



Paulo Franchetti MEMÓRIA FUTURA