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quinta-feira, 19 de julho de 2012

Coração Numeroso (Carlos Drummond de Andrade)

Coração Numeroso


Foi no Rio.
Eu passava na Avenida quase meia-noite.
Bicos de seios batiam nos bicos de luz estrelas
 inumeráveis.
Havia a promessa do mar
e bondes tilintavam,
abafando o calor
que soprava no vento
e o vento vinha de Minas.
Meus paralíticos sonhos desgosto de viver
(a vida para mim é vontade de morrer)
faziam de mim homem-realejo imperturbavelmente
na Galeria Cruzeiro quente quente
e como não conhecia ninguém a não ser o doce
 vento mineiro,
nenhuma vontade de beber, eu disse:
Acabemos com isso.
Mas tremia na cidade um fascinação casas
compridas
autos abertos correndo caminho do mar
voluptuosidade errante do calor
mil presentes da vida aos homens indiferentes,
que meu coração bateu forte, meus olhos inúteis
choraram.
O mar batia em meu peito, já não batia no cais.
A rua acabou, quede as árvores? a cidade sou eu
a cidade sou eu
sou eu a cidade
meu amor

Carlos Drummond de Andrade

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