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domingo, 22 de julho de 2012

Briga no Beco (Adélia Prado)


BRIGA NO BECO


Encontrei meu marido às três horas da tarde
com uma loura oxidada.
Tomavam guaraná e riam, os desavergonhados.
Ataquei-os por trás como nunca suspeitei conhecesse.
Voaram três dentes e gritei, esmurrei-os e gritei,
Gritei meu urro, a torrente de impropérios.
Ajuntou gente, escureceu o sol,
a poeira adensou como cortina.
Ele me pegava nos  braços, nas pernas, na cintura,
Sem me reter, peixe-piranha, bicho pior, fêmea-ofendida,
uivava.
Gritei, gritei, gritei, até a cratera exaurir-se.
Quando não pude mais fiquei rígida,
as mãos na garganta dele, nós dois petrificados,
eu sem tocar o chão. Quando abri os olhos,
as mulheres abriam alas, me tocando, me pedindo graças.
Desde então faço milagres.


Adélia Prado (Bagagem, p.97)

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